Queijos de casca lavada ainda são pouco conhecidos no Brasil. Esta categoria de queijos se difere pelo tratamento da casca recebido durante a maturação. A casca dos queijos é frequentemente lavada com uma solução chamada de morge, que pode ter diferentes composições, dependendo do tipo de queijo. Algumas são à base de salmoura, outras contém soro de leite ou mesmo bebidas alcóolicas; podem, ainda, conter fermentos especiais para maturação ou urucum. O objetivo deste tratamento é manter a umidade da casca do queijo e incentivar o desenvolvimento de uma microbiota de superfície, a qual proporcionará o aroma e a textura característicos deste tipo de queijo.
Existe uma grande variedade de queijos de casca lavada, com diferentes intensidades de sabor e aroma, dependendo da tecnologia aplicada. Os queijos de massa mole e casca lavada possuem maior teor de umidade e, consequentemente, a textura mais cremosa e o odor é mais marcante (Figura 1). Já os queijos de massa dura ou semidura possuem textura mais firme e odor menos pronunciado (Figura 2).
Figura 1 – Queijos de massa mole e casca lavada
Figura 2 – Queijos de massa dura ou semidura e casca lavada
A casca laranjada é uma característica comum destes queijos, devido ao desenvolvimento de Brevibecterium linens, principal microrganismo presente na superfície de queijos de casca lavada. Além de B. linens é comum o crescimento simultâneo de outros microrganismos, como o Geotrichum candidum e algumas leveduras.
Um fator fundamental a ser controlado na fabricação dos queijos desta categoria é a maturação. Além das lavagens frequentes é necessário um ambiente com alta umidade relativa (cerca de 95%) e controle de temperatura entre 12 e 20 °C (variável em função do tipo de queijo). Viragens frequentes e uma boa ventilação do ambiente também ajudam no desenvolvimento da microbiota de superfície. Na Europa é comum o uso de prateleiras de madeira na maturação destes queijos, visto que a madeira ajuda a manter a umidade ideal.
Os ingredientes de base da morge são água e sal. Importante utilizar água descontaminada e sem cloro; a quantidade de sal depende do tipo de queijo, podendo variar de 5% até 35% (solução saturada). A morge contribui com o teor de sal final do queijo, visto que uma parte acaba sendo absorvida pela massa, sendo necessário considerar este fator para que o queijo não fique demasiado salgado.
A morge com baixo teor de sal pode favorecer a presença de microrganismos indesejados e ser fonte de contaminação cruzada. Já uma morge mais concentrada seleciona uma flora halotolerante, composta por leveduras desejadas no processo de maturação. Neste caso, a casca tende a ficar mais úmida e o queijo corre o risco de ficar salgado. É recomendado ajustar o pH da solução em torno de 5,0 a 5,2 com um ácido orgânico ou mesmo com soro de leite, pois o pH ácido também ajuda no controle da multiplicação de microrganismos indesejados.
Tradicionalmente, a flora da morge é composta de forma natural, sendo a solução utilizada na lavagem de queijos mais velhos para os mais novos, garantindo assim uma inoculação do próprio queijo para a solução. Atualmente, o uso de fermentos é recomendado, pois tem menor risco de contaminação e garante maior uniformidade entre lotes.
Quadro 1. Função dos principais microrganismos encontrados na morge
Bactérias | Brevidobacterium linens Corynebacterium Micrococcus | – Coloração laranja da casca – Proteólise e Lipólise – Desenvolvimento de aromas |
Leveduras | Geotrichum candidum Debaromyces hansenii Kluyveromyces Candida | – Consumo da lactose residual e degradação do ácido lático – Desaminação dos aminoácidos, liberação de amônia e consequente aumento do pH – Proteólise e Lipólise – Desenvolvimento de aromas – Aparência da casca (enrugada e aveludada) |
Embora a maioria dos queijos de casca lavada seja fabricada geralmente com fermento mesofílico, o seu sabor é determinado principalmente pela microbiota de superfície. B. linens é predominante nesta microbiota de superfície, possui forte atividade proteolítica e lipolítica. Para que comece a crescer sobre o queijo, o pH deve ser superior a 5,85. Ou seja, é um microrganismo muito dependente de uma flora desacidificante, principalmente de leveduras halotolerantes, que decompõem a lactose residual na casca do queijo e degradam o ácido lático pela via oxidativa.
Por meio da forte atividade enzimática destes microrganismos, as cadeias de peptídeos são quebradas em aminoácidos, sendo alguns destes completamente metabolizados no processo. A degradação mais acentuada de aminoácidos sulfurados, os quais contêm enxofre em sua composição, como a metionina, cistina e cisteína, chega ao ponto de formar compostos de odor pungente, característico deste tipo de queijo.
Contudo, o consumidor brasileiro não é muito adaptado ao forte odor que estes queijos exalam. Por isso, alguns produtores de queijos brasileiros de casca lavada utilizam somente salmoura e urucum na morge. Desta forma, o processo deixa a casca do queijo com a cor alaranjada característica, porém, com um aroma mais suave.
Figura 3- Queijos autorais brasileiros de casca lavada
A presença de exemplares nacionais e importados de queijos de casca lavada tem sido cada vez mais comum nas prateleiras de supermercados e empórios especializados. Os consumidores passam, então, a ter a oportunidade de uma experiência gastronômica distinta e, sem dúvida, surpreendente. Mesmo assim, a falta de hábito em consumir queijos com aparência e odor tão incomuns fazem que alguns consumidores ainda hesitem na hora de escolhê-los. Enfim, é preciso experimentar para formar nossas próprias opiniões…