Trata-se de um debate que pode gerar polêmicas e discussões. Podemos dizer que existem duas vertentes: uma que defende que a pasteurização é fundamental para garantir a inocuidade dos queijos, e outra, que afirma que queijos feitos com leite pasteurizado não têm o mesmo sabor e tipicidade daqueles feitos com leite cru.
Vários fatores devem ser considerados nesta discussão, sendo o primeiro deles o entendimento de onde vem a contaminação do leite. O leite obtido de animais saudáveis e em condições ideais de higiene tendem a possuir uma baixa contaminação microbiana. O problema começa quando os animais passam a apresentar estado sanitário inadequado, apresentando problemas como infecções mamárias (mastites) e zoonoses (como a brucelose, tuberculose etc.), bem como, quando a ordenha não atende às recomendações condições higiênico-sanitárias. Soma-se a isso a estocagem prolongada ou mesmo fora da temperatura ideal de conservação (máximo 4°C).
Considerando estes aspectos, podemos afirmar que o leite obtido de animais sadios, livres de brucelose e tuberculose, em condições higiênicas apropriadas e estocado por curto período na temperatura correta passa a ser considerado seguro para a produção de queijos, mesmo sem o processo de pasteurização.
O problema é que grande parte dos produtores de leite no Brasil não atendem estes requisitos. O rebanho brasileiro de vacas leiteiras apresenta altas médias de contagens de células somáticas e bactérias. Além do mais, poucos produtores têm seus rebanhos certificados como livres de Brucelose e Tuberculose. O leite fica estocado por longos períodos (mais de 48 horas) e, muitas vezes, sofre altas oscilações de temperatura durante o armazenamento e transporte. Tudo isso compromete a qualidade do leite, tornando, portanto, a pasteurização uma etapa crucial para garantir a inocuidade de queijos.
Há quem acredite que a pasteurização é a solução de todos os problemas. Ledo engano! A pasteurização tem por objetivo eliminar os microrganismos patogênicos do leite, consequentemente, resulta na redução da carga microbiana total. Porém, a eficiência deste processo depende da carga microbiana inicial, visto que este tratamento elimina em torno de 99% dos microrganismos. Isto significa que, caso o leite apresente uma contaminação inicial em torno de 1.000.000 de bactérias por mL (a legislação brasileira permite que o leite apresente até 900.000 UFC/mL antes do seu processamento no estabelecimento beneficiador), após o processamento ainda haverá uma carga residual de 10.000 bactérias/mL. Contudo, conforme apresentado no quadro abaixo, esta carga residual equivaleria a média de contaminação obtida no leite cru em muitos países.
Quadro 1: Média aritmética de Contagem Bacteriana Total (UFC/mL) em diferentes países
País | Contagem Bacteriana Total (UFC/mL) |
Inglaterra | 30.000 |
Alemanha | 17.000 |
Itália | 44.000 |
Canadá | 9.000 |
Brasil | 984.000 |
A pasteurização é ainda mais essencial quando se trata do processamento de leite de conjunto (mistura do leite de vários produtores), pois este produto apresenta grande heterogeneidade de qualidade e, geralmente, fica estocado por longos períodos. Além disso, reforça-se a importância da pasteurização sob o ponto de saúde pública, considerando que inúmeras propriedades leiteiras no Brasil não são livres de Brucelose e Tuberculose.
Podemos concluir que não é a pasteurização que determina a qualidade do produto; o que realmente importa é a carga microbiana da matéria-prima. Com isso, podemos dizer que sim, é possível produzir queijos com leite cru, desde que os produtores atendam a todos os requisitos de higiene e cuidados com a sanidade animal, sendo certificados como propriedade livre de Brucelose e Tuberculose. Caso contrário, a necessidade da pasteurização é inquestionável. A saúde do consumidor é mais relevante que qualquer aspecto sensorial do queijo.
Artigo publicado na minha coluna no site Milkpoint: https://www.milkpoint.com.br/colunas/maike-tais-maziero-montanhini/leite-cru-ou-pasteurizado-qual-e-o-melhor-para-a-fabricacao-de-queijos-228840/