A maturação de queijos envolve um conjunto de reações bioquímicas, físico-químicas e microbiológicas que modificam a sua composição química e suas características sensoriais. O tempo de maturação varia em função do tipo de queijo: queijos frescos muitas vezes têm pouco ou nenhum tempo de maturação; queijos macios ou meia cura estão prontos para consumos entre 2 semanas e 2 meses; queijos duros têm tem um período mais longo de envelhecimento, que pode ir de meses até 2 anos ou mais. Uma das principais funções da maturação é desenvolver o sabor, aroma e a textura, mas além disso, a maturação contribui na conservação dos queijos.
Durante o fenômeno da maturação, ocorrem três eventos bioquímicos principais: glicólise, proteólise e lipólise. O fermento, juntamente com os microrganismos presentes no leite e no ambiente de produção, produz uma série de metabólitos, como proteases, lipases e ácidos orgânicos durante o processo de maturação dos queijos. Estes metabólitos, por sua vez, geram moléculas de menor massa molecular, responsáveis por conferir sabor, aroma e textura ao queijo maturado. O coalho residual também participa das reações de proteólise, assim como, outras enzimas naturalmente presentes no leite.
A microbiota presente nos queijos pode ser proveniente do leite, equipamentos de produção e meio ambiente ou advir da adição de fermentos lácticos durante a fabricação. Esta microbiota complexa engloba bactérias de interesse tecnológico e contaminantes, sendo os patogênicos os mais preocupantes. Esta contaminação pode ocorrer quando o leite é de má qualidade ou mesmo pela falta higiene no processamento dos queijos. Os microrganismos patogênicos que podem estar presentes em produtos lácteos são: Salmonella, Staphylococcus aureus, E. coli produtora de verocitotoxina (VTEC incluindo E. coli O157: H7) e E. coli produtora de Shiga-toxina (STEC), Campylobacter, Listeria monocytogenes, Bacillus cereus, Mycobacterium bovis, Brucella abortus e Coxiella burnetii.
As reações bioquímicas que ocorrem durante a maturação podem contribuir na inibição de microrganismos patogênicos e contaminantes. A eficiência deste processo no controle microbiológico depende de vários fatores, entre eles: tempo de maturação, tipo de queijo, pH, atividade de água, contaminação inicial, presença de fermentos competidores, teor de sal entre outros. A boa qualidade microbiológica do leite, seja ele pasteurizado ou cru, é um critério fundamental para a fabricação de queijos seguros, sejam eles maturados ou não.
A atividade antimicrobiana das bactérias ácido láticas (BAL) tem sido bastante estudada. Essa ação é devido à produção de ácidos orgânicos e bacteriocinas, que antagonizam e inibem o crescimento de microrganismos competidores e patogênicos, sendo utilizadas como bioconservadoras dos alimentos.
A interação entre os microrganismos presentes no queijo pode contribuir na redução da contaminação por patógenos a partir da: produção de ácidos orgânicos (ácido lático, acético, fenilacético), produção de bacteriocinas (nisina, lacticina, micrococina, pediocina) e produção de outras moléculas, como peróxido de hidrogênio, etanol, dióxido de carbono entre outras. Além da produção de compostos inibitores, as bactérias ácido láticas podem controlar o desenvolvimento microbiano indesejado pelo processo de competição, quando certos nutrientes essenciais para o crescimento dos dois microrganismos são limitados.
O controle da temperatura e da umidade relativa no ambiente de maturação é fundamental para modular a microbiota que irá prevalecer e reduzir a ação dos microrganismos indesejáveis. A maioria dos queijos são maturados em temperatura variando entre 7 e 14°C e umidade relativa entre 75 e 95%. Condições de maturação fora da faixa ideal para cada queijo podem comprometer sua qualidade microbiológica, aumentando o risco de desenvolvimento microbiano indesejado.
A presença de L. monocytogenes em queijos representa uma grande preocupação para os sanitaristas de alimentos, visto a elevada severidade da doença causada por esta bactéria. O pH igual ou inferior a 4,4, Aw igual ou inferior a 0,92 ou ainda combinação de pH igual ou inferior a 5 com Aw inferior ou igual a 0,94 cria condições desfavoráveis à sobrevivência deste microrganismo. Portanto, o controle do pH e da Aw dos queijos durante a maturação são ferramentas importantes para a segurança microbiológica dos queijos.
Em queijos de massa mole e casca fungada, o pH tende a subir durante a maturação, criando condições favoráveis ao desenvolvimento de microrganismos indesejados. Nestes queijos, o pH da casca em geral é mais elevado, podendo favorecer a multiplicação de patógenos.
A Tabela 1 demonstra os principais fatores que contribuem com a eliminação de microrganismos patogênicos durante a maturação de queijos.
Tabela 1 – Principais fatores que contribuem com a eliminação de microrganismos patogênicos durante a maturação de queijos
Princípio | Formas de controle | |
Atividade de água | A atividade de água (Aw) é limitante para a multiplicação de vários microrganismos. A Aw tende a diminuir durante o processo de maturação de alguns queijos | – Controle da Umidade Relativa nas câmaras de maturação- Tempo de maturação- Teor de sal |
pH | Cada microrganismo tem um valor de pH de crescimento ótimo, sendo as bactérias mais sensíveis ao pH ácido do que fungos e leveduras | – O pH dos queijos pode variar durante a maturação; em alguns queijos o pH é mais ácido, em outros pode haver um gradiente de pH entre a casca e o interior do queijo. |
Atividade antimicrobiana | Os microrganismos de interesse tecnológico, principalmente as bactérias ácido láticas, produzem componentes antimicrobianos durante sua multiplicação nos queijos e agem por competição microbiana | – Uso de fermentos- Boas práticas de fabricação para evitar a contaminação por microrganismos indesejados. |
Potencial de óxido redução | Redução do potencial de óxido redução | – A baixa taxa de oxigênio disponível no interior dos queijos limita o desenvolvimento de microrganismos aeróbios- Queijos grandes de massa compacta possuem um potencial de óxido redução negativo, sendo mais favoráveis ao desenvolvimento de microrganismos anaeróbios. |
Temperatura | Cada queijo deve ser maturado nas suas condições ideais de temperatura | – Temperaturas acima do ideal podem favorecer a multiplicação de microrganismos indesejados, tais como contaminantes e patogênicos. |
Formação da casca | A casca dos queijos atua como uma barreira física e protege os queijos de contaminantes | – A formação da casca dos queijos pode ser controlada a partir de etapas de secagem em câmaras específicas antes da maturação;- O controle da formação da casca também pode ser feito a partir da regulagem da umidade relativa e ventilação da câmara de maturação e com viragens frequentes dos queijos. |
Ainda assim, alguns microrganismos podem se desenvolver durante a maturação. Um defeito frequente em queijos maturados é o estufamento tardio, causado pelo crescimento de bactérias esporuladas, tendo como principal causador o Clostridium tyrobutyricum e menos intensamente por C.butyricum, C.sporogenes e C.beijerinckii. A concentração destes esporulados tende a aumentar durante a maturação, quando são criadas condições favoráveis à germinação de seus esporos, tais como: ambiente anaeróbio, presença de peptídeos de baixo peso molecular dentre outros, centro do queijo ainda desprovido de sal. Com isso, as células vegetativas se multiplicam, produzindo: CO2, hidrogênio e produtos da proteólise de odor e gosto desagradável, além de criar grandes aberturas nos queijos.
De acordo com a legislação brasileira os queijos fabricados a partir de leite cru devem ser maturados a temperatura superior de 5°C no tempo mínimo de 60 dias. Para queijos com tempo de maturação inferiores a este, devem ser realizados estudos científicos que comprovem que o queijo esteja inócuo e apto para consumo.
Podemos concluir que a maturação é uma etapa importante no controle de microrganismos indesejados em queijos, mas não diminui a importância e necessidade do atendimento às Boas Práticas de Fabricação. São necessárias condições satisfatórias de higiene antes, durante e após a fabricação do queijo, evitando uma alta contaminação inicial ou uma recontaminação do produto. Ainda é importante ressaltar que a eficiência da maturação é dependente de vários fatores, variando em função do tipo de queijo e processos de fabricação, portanto o tempo de maturação ideal deve ser estabelecido em função das características de cada tipo de queijo.
Artigo publicado na minha coluna no site Milkpoint https://www.milkpoint.com.br/colunas/maike-tais-maziero-montanhini/maturacao-e-controle-de-microrganismos-indesejados-em-queijos-228170/