Cleoci Beninca
Maike Montanhini
O uso de flores em queijos pode ser uma oportunidade de mercado para produtores que buscam se diferenciar no mercado. Para tanto, é necessário avaliar cuidadosamente os tipos de flores que podem ser utilizados na alimentação humana e as formas de aplicação nos queijos.
Algumas flores, assim como muitas plantas, exóticas ou nativas, cultivadas ou espontâneas, têm potencial para incrementar a nossa alimentação, uma vez que podem ser consumidas total ou parcialmente. Algumas plantas são mais comuns na nossa dieta, outras são conhecidas como Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC).
As flores comestíveis são classificadas como PANC e podem ser utilizadas na alimentação humana, e por quê não, na fabricação de queijos. O potencial do uso das flores comestíveis na alimentação humana ainda é subestimado, apesar de seu consumo ser bastante antigo, tendo relatos de seu uso associado a aspectos medicinais e nutricionais desde 3.000 a.C.
Atualmente, representam um importante segmento do desenvolvimento de novos produtos alimentícios devido às suas características sensoriais, tais como, sabor, aroma e cor, bem como, propriedades nutricionais, destacando-se o baixo teor calórico, altos níveis de vitaminas, minerais, aminoácidos, fibras, carboidratos e óleos essenciais. Destaca-se ainda, a presença de compostos bioativos com potencial antioxidante e o efeito de seus componentes como antidiabéticos, anticancerígenos, ansiolíticos, anti-inflamatórios, antibacterianos, diuréticos e imunomoduladores. Assim, a inclusão dessas flores pode contribuir com a melhoria da aparência, do sabor, do perfil nutricional e proporcionar propriedades funcionais à alimentos e bebidas.
Algumas flores que podem ser usadas na alimentação humana apresentam potencial para uso em queijos, tais como: lavanda, capuchinha, pétalas de girassol, amor-perfeito, tagetes, hibisco, violeta, rosa, calêndula, cravina, ora-pro-nóbis, entre outras. Algumas flores não possuem sabor, porém, outras podem atribuir um certo amargor, picância ou aromas característicos. É muito importante, portanto, ter cuidado na escolha das flores pois, algumas são tóxicas.
As flores podem ser incorporadas aos queijos de diferentes formas, inclusive para promover a coagulação do leite. Existem muitos queijos, principalmente em Portugal e na Espanha, que são obtidos a partir da coagulação feita com extrato da flor do cardo. Esta flor possui uma grande quantidade de enzimas proteolíticas, que irão atuar na coagulação do leite e na maturação dos queijos, dando origem a produtos com características sensoriais bem particulares. No Brasil, o uso da flor de alcachofra também está sendo avaliado como coagulante do leite e apresentou resultados semelhantes aos queijos produzidos com a flor do cardo.
Um estudo realizado em Portugal demonstrou que a flor da castanheira apresenta um grande potencial antioxidante. Neste estudo, as flores liofilizadas e um extrato feito a partir da decocção destas flores foram utilizados na fabricação do queijo Serra da Estrela. Após um mês de maturação, foi comprovada a bioatividade dos compostos presentes na flor de castanheira, que evitaram a oxidação da gordura nos queijos avaliados.
As flores também podem ser usadas em forma de infusão, para aromatizar e dar cor aos queijos. Um exemplo, é a infusão da flor do hibisco, que pode ser usada para dar cor aos queijos, no entanto, por ser rica em ácidos orgânicos, pode trazer um excesso de acidez ao queijo.
As flores também podem ser adicionadas diretamente na massa dos queijos, antes da enformagem. Um exemplo é a lavanda, já usada em alguns queijos europeus. A lavanda possui um aroma intenso e característico, deve ser incorporada com cautela para não se sobressair ao sabor do queijo. Aliás, este é um cuidado que deve ser tomado sempre que um ingrediente for adicionado aos queijos, o objetivo deve ser agregar sabor sem descaracterizar o produto.
Figura 1 – Queijo Gouda com lavanda adicionado na massa agregando cor e sabor ao queijo (queijo holandês)
Um exemplo de queijo brasileiro adicionado de lavanda é o tipo Gouda, produzido pela Het Dorp (Carambeí, PR). Ele recebeu a medalha de bronze no Prêmio Queijos do Paraná em 2024. Diferente do queijo holandês, este mantém a cor característica do queijo, com pontos que destacam a presença da flor.
Figura 2 – Queijo tipo Gouda com lavanda (queijo brasileiro).
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Geralmente, as flores são aplicadas na superfície dos queijos, deixando a casca com uma aparência chamativa e diferenciada. As flores podem ser aplicadas frescas ou desidratadas, dependendo do tipo de queijo. Em geral, as flores frescas são mais usadas em queijos frescos e as flores desidratadas em queijos maturados. Nos queijos frescos, as flores aderem-se naturalmente à superfície dos queijos, devido à sua umidade superficial. Já em queijos maturados, estas flores precisam ser aderidas com o uso de uma resina natural comestível. Pode-se usar gelatina incolor, goma de amido de mandioca, cera de abelha ou outro componente comestível que ajude a fixar as flores na superfície dos queijos.
Figura 3 – As antocianinas da flor de papoula aplicada na casca migram para o interior do queijo, formando um halo (queijo italiano)
Figura 4 – Um mix de flores desidratadas foi aplicado com resina comestível na casca do queijo durante a maturação (queijo italiano)
As flores aportam notas delicadas aos queijos, variando em função do tipo de flor utilizada e do momento da sua adição. Quando aplicadas na casca dos queijos conferem uma aparência colorida e sofisticada. As flores podem ser adicionadas durante a maturação ou apenas no momento da venda, como decoração. Além disso, podem ser usadas na decoração de tábuas de queijos, adicionando charme e elegância na apresentação.
Figura 5 – Brillat-Savarin com trufas e flores comestíveis: neste caso, as flores frescas foram adicionadas ao queijo no momento da venda, mantendo seu frescor até o momento do consumo (queijo francês)
Os queijos de cabra recobertos com flores são muito apreciados na França, destacando-se no mercado principalmente na primavera. Os queijos de cabra obtidos por coagulação ácida harmonizam muito bem com flores comestíveis, pois apresentam leve acidez e notas animais.
Figura 6 – A umidade do queijo de cabra fresco ajuda a aderir as flores desidratadas na superfície do queijo (queijo francês)
Outro exemplo de queijo brasileiro feito com flores é o Primavera, da Estância Silvânia (Caçapava, SP). Este queijo é feito com leite de vaca A2A2, com infusão de lavanda e flores desidratadas na casca. Este queijo ganhou medalha de ouro no Mundial du Fromage em Tours, em 2021.
Figura 7 – Queijo Primavera com óleo de lavanda na massa e flores orgânicas comestíveis aplicadas na casca (queijo brasileiro)
Outros produtores artesanais já se aventuraram a produzir edições especiais de queijos com flores comestíveis, porém, encontraram dificuldade para o registro do produto.
Independente da forma de aplicação, uma atenção especial deve ser dada ao risco de contaminação dos queijos a partir das flores frescas ou desidratadas adicionadas diretamente na massa dos queijos. Assim como as especiarias e ervas em geral, elas podem conter esporos de bactérias ou mofos, que, em contato com a umidade e nutrientes dos queijos, encontrarão condições favoráveis para se desenvolver.
A legislação brasileira não prevê a adição de flores como um ingrediente na fabricação de queijos. No entanto, o uso pode ser aprovado considerando o item 4.1.2 da Portaria MAPA nº 146 de 07/03/1996, como “outros ingredientes opcionais permitidos”, desde que seja comprovado que seu consumo é seguro e que sua adição em queijos não compromete a segurança microbiológica do produto. Para tanto, os resultados das análises microbiológicas devem atender os padrões estabelecidos pelo Ministério da Agricultura e Vigilância Sanitária.
Todos os queijos apresentados neste artigo estavam devidamente registrados pelos órgãos de inspeção dos respectivos países, indicando que o uso de flores em queijos é seguro para o consumidor.
O uso de flores comestíveis apresenta grande potencial em queijos. A incorporação pode ser feita na forma de extratos, flores frescas ou desidratadas, adicionados diretamente na massa, ou, aplicadas na casca, sendo este o uso mais frequente. Além da diferenciação visual de sabor, aroma e textura, a adição de flores em queijos agrega valor ao produto, sendo uma excelente oportunidade para chamar a atenção dos consumidores que buscam experiências gastronômicas diferentes e, com isso, propor ao mercado um queijo verdadeiramente diferenciado e, sobretudo, exclusivo.