Quando falamos em deterioração de alimentos pensamos imediatamente na deterioração de origem microbiana. No entanto, os alimentos estão sujeitos a outros fatores que podem levar à sua inutilização para consumo, tais como, a rancificação, reações químicas e enzimáticas, e, até mesmo, contaminações químicas.
A rancificação lipídica é crítica, principalmente, em alimentos com alto teor de gordura, tais como, os queijos. Esta reação leva à formação de aromas e sabores desagradáveis, tais como, ranço, velho, sabão, picante. Estes aromas são chamados de off-flavors e provocam a rejeição do produto por parte do consumidor.
A velocidade do processo de rancificação varia em função da qualidade do leite, condições de processamento, temperatura e tempo de estocagem. A tendência é que este processo seja desencadeado durante a estocagem e comercialização, principalmente, quando feitos em condições inadequadas de conservação, ou seja, fora da temperatura ideal para cada tipo de queijo.
A degradação da gordura dos queijos pode ocorrer por meio da rancidez oxidativa ou rancidez hidrolítica. O ranço oxidativo é um processo químico que ocorre devido à oxidação dos ácidos graxos insaturados, com formação de peróxidos, óxidos, aldeídos e cetonas. As reações de oxidação podem ser catalizadas por diversos fatores, sendo os principais, o calor e a luz.
Queijos inteiros apresentam baixa pré-disponibilidade à rancificação oxidativa, pois a própria casca do queijo atua como uma barreira protetora, protegendo o queijo da luz e do oxigênio. Este processo de oxidação lipídica é mais comum em queijos ralados e processados, que são mais expostos aos fatores que aceleram a rancificação. Neste caso, a embalagem tem um importante efeito protetor, e deveria ser, idealmente, com barreira à luz, vácuo ou atmosfera modificada. O uso de antioxidantes também ajuda a controlar o processo de oxidação lipídica.
Por outro lado, a rancidez hidrolítica ocorre de forma mais frequente nos queijos. Este defeito acontece devido à degradação enzimática da gordura, com liberação de ácidos graxos livres de cadeia curta (butírico, caproico, caprílico, cáprico). A lipólise da gordura presente nos queijosaumenta a concentração de ácidos graxos livres (AGL), que conferem aos produtos um sabor rançoso ou de sabão.
A rancificação hidrolítica pode ser desencadeada de três formas:
– Lipólise induzida: ocorre devido à ruptura do glóbulo de gordura por ação mecânica. A gordura do leite está protegida por uma camada lipoprotéica, formando um glóbulo que contém os triacilgliceróis (TAG) no seu interior. Quando esta membrana é rompida, estes TAGs são expostos, ficando susceptíveis à rancificação . Os principais fatores que levam ao rompimento do glóbulo de gordura são: agitação demasiada, causada por ações mecânicas, como bombeamento excessivo, homogeneização, ou ainda, por variações de temperatura.
– Lipólise espontânea: ocorre devido a ação de enzimas naturalmente presentes no leite. A concentração destas enzimas pode variar de acordo com alguns fatores, tais como o período de lactação, idade do animal e alimentação. No entanto, o principal fator que causa um aumento na produção de lipases endógenas é a elevada Contagem de Células Somáticas (CCS). Vacas com mastite clínica e subclínica liberam uma quantidade maior de enzimas lipolíticas no leite, que poderão dar origem ao processo de rancificação em queijos.
– Lipólise de origem microbiana: ocorre em leite armazenado por mais de 48h, no qual as bactérias psicrotróficas, que se multiplicam em temperatura de refrigeração, irão produzir lipases. Estas lipases microbianas são resistentes ao calor e não são destruídas pela pasteurização, atuando nos queijos durante a maturação e comercialização.
O teor de umidade dos queijos também pode interferir no processo de rancificação hidrolítica. Quanto maior o índice de umidade dos queijos, maior é a atividade lipolítica. Este pode ser um fator limitante na estabilidade de queijos semiduros, pois limita seu tempo de maturação e comercialização.
A lipólise controlada pode ser desejada em alguns queijos, conferindo os aromas e sabores característicos, por exemplo, a leve picância do queijo Pecorino maturado. No entanto, quando este processo ocorre de forma descontrolada, devido à problemas na qualidade do leite e falhas no processamento, leva à formação de defeitos sensoriais nos queijos. A rancificação da gordura provoca uma deterioração na qualidade dos alimentos devido à geração de sabores desagradáveis e degradação de cores e nutrientes, comprometendo a qualidade sensorial dos queijos. Por isso, a rancificação é considerada um dos principais fatores deteriorantes em queijos, limitando a vida útil destes produtos. Isto reforça a importância do controle de qualidade do leite e das condições de processamento e estocagem.